sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Consumir local, a vivência urbana e outras divagações

A importância de consumir local também faz parte do nosso consumo consciente.

Consumir local constituí várias vantagens para nós enquanto cidadãos, para as nossas cidades e vilas, para o ambiente e a economia.

Divido o consumir local entre duas coisas: consumir produtos de produção local; consumir produtos e serviços em comércio de proximidade.

O consumo de bens de produção local desenvolve a economia da nossa região, cria mais postos de trabalho, o que gera uma grande cadeia de bens e serviços dos quais posteriormente vamos beneficiar. A nível ambiental, os gastos em transportes e consequentemente em energia diminuem, o que é benéfico a nível das matérias-primas utilizadas e das emissões poluentes.

O consumo de bens e serviços em comércio de proximidade, aquele que fazemos na proximidade da nossa residência ou local de trabalho, tem como vantagens:

  •  Ajudar pequenos comerciantes (para mim uma distribuição de dinheiro sem ser sempre para grandes cadeias é fundamental para um país mais igualitário), os quais muitas vezes compram a pequenos produtores;
  • Não recorrer constantemente ao transporte individual para fazermos pequenas compras;
  • Fortalecer a economia local, dar vida às nossas cidades e às nossas vilas;
  • Fomentar uma vida urbana mais agradável e consequentemente uma maior entre-ajuda, segurança e mesmo limpeza. Viver numa rua de lojas fechadas é completamente diferente de viver numa rua de comércio, onde todos os dias as pessoas se cruzam, onde a cabeleireira vai ao café, onde o senhor da papelaria vai à florista, etc, etc.

O consumir local em comércio de proximidade é o que faz com que esse comércio continue a existir e a pessoa saiba que pode contar com ele para qualquer eventualidade. Não vale a pena nos indignarmos por o cinema Londes fechar, se nunca íamos ao cinema Londres, mas sim ao cinema num qualquer centro comercial mais urbano ou mais suburbano.

Quando andava na faculdade, inscrevi-me numa cadeira de opção chamada Análise Regional Urbana e lembro-me perfeitamente de o professor contar a história da sua aldeia. Na sua aldeia havia algum comércio local, mas com a abertura das grandes superfícies na cidade e o acesso ao transporte individual, todas as pessoas começaram a fazer as suas compras fora da aldeia. Tudo o que havia na aldeia fechou, talvez já não respondesse aos anseios dos consumidores (o comércio de rua também tem de evoluir é verdade). Mas entretanto as pessoas envelheceram e como não têm possibilidade de se deslocar queixam-se que já não existe na aldeia sítios onde comprar bens. É assim a histórias de muitas aldeias e vilas portuguesas. Aliado a isso, o professor dizia que também se queixavam de não haver emprego na aldeia, ao que ele respondia que se a mercearia tinha fechado, era normal que o merceeiro não empregasse ninguém.

Os grandes centros urbanos são pólos de atracção de investimento e consequentemente de dinheiro. A questão é que muitas vezes já não se trata apenas da cidade que atrai o investimento, a cidade atrai esse investimento, mas ao comprarmos apenas a grandes cadeias multinacionais, grande parte desse dinheiro nem sequer fica na nossa cidade. No fundo estamos sempre a contribuir para enriquecer uns em detrimento dos outros (isto só é um problema para quem acha que isto é um problema, obviamente).

Eu também o faço, também vou a supermercados e a cadeias alimentares em centros comerciais, bem como a outras grandes lojas multinacionais.

Todavia, acredito que algum do nosso dinheiro também deve ser gasto no nosso comércio local. Vivo numa vila na Área Metropolitana de Lisboa, mas que ainda tem uma vida muito própria de comércio local, a qual é sobretudo alimentada pelos mais idosos que não têm forma de se deslocar e pelos estudantes universitários.

É nesta vila e com deslocações a pé que vou ao café, à padaria, à churrasqueira, à papelaria, ao cabeleireiro, à mercearia (mais em situações de recurso), à florista, à farmácia, à loja de fotocópias, ao veterinário (bem às vezes levamos o cão no carro), à retrosaria (é raro ir a uma retrosaria, mas quando preciso), fazer análises clínicas. Aliás quando alguém na família morre também vamos à agência funerária aqui da rua. É também aqui a poucos passos que já inscrevi o meu bebé no berçário. Porque as nossas vilas podem sempre ser as nossas comunidades sustentáveis.

É bom para mim dispor deste comércio local, é bom porque me facilita a vida e porque assim conheço as pessoas que vivem em meu redor, o que contribuiu para as relações de vizinhança. É bom porque espaços mais vividos são mais seguros. É bom porque não temos de utilizar tanto o transporte individual. É bom porque fixamos mais o dinheiro na nossa região. Eu sei que a dona da retrosaria vai ao café daqui e que a dona do café vai à farmácia. Não me parece que o Alexandre Soares dos Santos, por exemplo, venha aqui ao café, nem que o que ele paga aos funcionários lhes permita ir muito ao café. Mas pronto eu também vou ao Pingo Doce.

Mas pronto consumir local é bom quando se consome de produção local, mas também é bom quando se consome no comércio local.

O comércio de rua é uma forma de vivenciar as cidades e vilas, dar-lhes vida, espaços mais seguros, mais amigáveis. De misturar pessoas e classes sociais, uma forma mais humana de se viver.

Quando penso nisto, lembro-me sempre por antagonia das utopias das cidades modernistas e do Le Corbusier, das altas torres, da grande divisão de usos. E depois lembro-me daqueles subúrbios em Paris onde parece que as pessoas vivem enjauladas com espaços verdes à volta das grandes torres, onde não se passa nada, onde a insegurança parece palavra de ordem.



Imagem do Plan Voisin - proposta urbana de Le Corbusier para Paris
Imagem retiradas de https://planocidade.wordpress.com/2010/07/24/plan-voisin-de-le-corbusier/

Ainda bem que esta ideia para Paris nunca foi para a frente. Embora eu ache que as cidades modernistas também tinha aspectos positivos, mas prefiro cidade e vilas mais orgânicas, onde as adaptações se façam dia-a-dia. Bem, orgânicas, mas com peso, conta e medida.

Sem comentários:

Enviar um comentário

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...